Ocorreu em Fortaleza, durante o carnaval, o 1° Encontro de comunidades,
movimentos, coletivos e experiências de luta autônomas e libertárias do
Norte e do Nordeste destas terras que hoje são chamadas de Brasil. A
principal característica deste encontro foi, sem dúvida, a possibilidade de,
por quatro dias, de modo autônomo tanto do ponto de vista do espaço, quanto
do ponto de vista do uso do tempo, da pauta e do modo de travar as
discussões, realizar um diálogo efetivo, real, difícil em determinados
momentos, entre tantas diferenças. O que o Encontro realizou foi algo
fundamental, pensamos, para a construção de uma convergência real de
perspectivas as mais distintas na luta comum contra o capitalismo, contra a
opressão do mercado e do Estado. Havia algo, na diversidade das experiências
ali presentes, que tornava possível o diálogo, mesmo quando este significava
ouvir algo que nos soava estranho: estávamos todos ali na igual condição de
proletarizad@s, submetidos ao trabalho assalariado e à mercantilização total
das nossas vidas. A condição comum a que nos levou o capitalismo e a recusa
comum a esta condição foi a base do nosso diálogo.
Estávamos ali, mulheres, descendentes dos povos originários,
afrodescendentes, desempregad@s, punks, proletarizad@s tod@s, vindos das
cidades e dos campos com nossos diferentes tempos, com diferentes palavras,
gestos e formas, mas nos permitindo ouvir o diferente e o diverso porque ali
reconhecíamos que o diferente era parte do processo comum de negação à nossa
condição presente de proletarização e à toda a história de submetimento e
também parte da resistência ao submetimento que nos trouxe até aqui.
Algo de central dessa experiência foi a constituição do diálogo real como
aquilo que põe algo novo, a palavra do outro que ensina, que faz daí sair um
terceiro, que não é o que eu digo e o que eu ouço mas algo novo, parido do
falar e do escutar no esforço prático comum dos corpos e falas que se
permitem aprender e ensinar. Relação direta e efetiva, constituída na recusa
comum ao domínio mercantil e estatal.
A experiência do diálogo
O que de novo pariu o diálogo, este diálogo específico que aqui se travou?
Já no primeiro momento do Encontro se colocaram as discussões em tom nem
sempre ponderado, ricas discussões nas quais buscaríamos o comum. De modo
deliberado havíamos anteriormente acordado que o Encontro não possuía pauta
pré-estabelecida, uma vez que considerávamos que era a própria assembléia do
Encontro que deveria decidir o que e como discutir (e o desafio de fazer
isso entre cerca de cem pessoas com tempos, tradições e perspectivas
diversas foi algo encarado como isso mesmo: um desafio). Quanto à pauta, não
houve maiores problemas. Queríamos nos ouvir e conhecer as experiências
distintas. Depois disso nos organizaríamos em grupos menores por afinidades
de experiências e preocupações; e depois, novamente em Assembléia,
socializaríamos entre tod@s estas discussões.E assim foi feito. Havia que
comer, que manter as coisas limpas e, de modo geral, as comissões de
afazeres formadas na assembléia funcionaram. Quase tod@s cozinhamos,
limpamos, etc.
Na discussão sobre o como con-viver tivemos um duro debate. A maioria de nós
- e antes isso já fora discutido na Rede de Fortaleza e entre alguns dos
coletivos de outros Estados - colocava a necessidade de suspendermos o uso
de álcool e afins durante o Encontro. Tratava-se, de um lado, da preocupação
com a segurança. Mas tratava-se também da preocupação - reforçada por vári@s
compas do movimento anarcopunk em função do que ocorrera em Teresina em
dezembro do ano passado - de garantir que aquilo que ali se realizava não
era um "carnaval libertário", como chegou a dizer, equivocadamente, um
compa. A discussão sobre essa questão foi tensa, de modo geral, e, em alguns
momentos, extremamente mal-conduzida, deixando obscura, por vezes, a questão
de que ali se tratava: a possibilidade da construção de um espaço COMUM, de
um tempo COMUM. As posturas extremamente individualistas e autoritárias de
alguns compas criaram um clima de profunda dificuldade de diálogo, salvo
pela interrupção de um jantar seguido de um ritual que @s compas Tapebas
propuseram - o Toré (que em outras comunidades indígenas pode ser chamado
também de Torém) - para "reequilibrar as energias do Encontro", expulsando
dali "os maus espíritos". No dia seguinte demos início à troca de
experiências, à continuação da fiação paciente desta Rede.
O tecimento da rede
Rede, nestas terras aqui do Norte e do Nordeste, é, para qualquer um, aquilo
onde nos deitamos. É artefato da cultura originária, traço permanente da
experiência indígena de tecer o lugar da dormida. Fio a fio, pacientemente
tecida como construção da solidez do encontro dos fios diferentes que se
entrecruzam para formar o tecido resistente que suporta o peso dos corpos.
E foi de rede mesmo que se tratou neste Encontro. Não de rede para dormir,
mas de rede para resistir. Fiada na paciência das muitas mãos que nos
reconhecemos irmãs, primas, solidárias na resistência. Mãos que trabalhamos,
agora como antes, tecendo a recusa da apropriação do nosso trabalhar. Não
mais trabalho escravo, não mais trabalho escravo do salário, diz o
"tecimento" desta rede. Mãos que tecemos a rebeldia, a recusa, a revolta, a
vingança e que reconhecemos n@ operári@ de hoje, empregad@ ou desempregad@,
n@ proletári@ do campo e da cidade, @ herdeir@ da tradição de luta contra a
escravização de ontem que é, em essência, sob outras formas - as formas
mistificadoras do salário -, a escravização de hoje.
Na troca das experiências estávamos ali as ocupações urbanas, comunidades de
ex-sem-teto que, nas ocupações, na resistência, socializavam a busca
permanente de escapar às armadilhas do mercado. Estavam ali as experiências
da luta rural, das ocupações e dos assentamentos, na luta cotidiana contra o
tempo do mercado, a mercantilização da natureza. Estavam os Tapebas, na luta
pela reconstituição da memória ancestral, destruída no falar, mas
pacientemente reconstruída, na luta pela memória. Estava a experiência do
Mocambo de Pernambuco, o Pernamocambo, na retomada da tradição dos
afrodescendentes através da capoeira angola, na luta permanente contra a
folclorização da cultura, a mercantilização, a sua transformação em "arte".
Estava a experiência - nas comunidades da periferia - da luta pela
constituição de uma "cultura proletária", cultura que se faz assim enquanto
tradição de resistência d@s que, nestas terras, há um século lutam contra a
hierarquia do salário e a exploração que ela necessariamente implica. Estava
a luta contra o sistema de gêneros, contra toda a opressão de gênero, que
não é só das mulheres, embora ainda protagonizada basicamente por elas.
Estava a experiência da contracultura, anarco-punk.
Éramos tant@s! Saber melhor quem éramos será possível com a publicação do
relatório do Encontro. O que queremos aqui é dividir com @s compas as nossas
primeiras reflexões surgidas desta experiência. Não serão, esperamos, as
únicas reflexões, tampouco pretendem ser as melhores. São uma tentativa,
parte do esforço permanente de nosso coletivo, de aprender com o que
fazemos, de contribuir com a reflexão permanente e coletiva sobre a nossa
experiência; esforço de pensar e dizer dessa experiência como condição para
a troca de reflexões. Parte fundamental de todo o esforço de crítica prática
do mercado e do Estado. Isso compreendemos como teoria.
O grandioso deste Encontro foi nos permitir ouvir, embora talvez não ainda
como tod@s ali gostaríamos. Ouvir e acolher, dizer e dar, na tentativa comum
de construir a palavra comum. Uma palavra que ainda apenas sussurramos,
afinal são tantos os modos de dizê-la, nas diferentes formas de fazê-la.
Descobrir - no trabalho comum de tecer fio a fio a revolta comum - que o
inimigo que dizemos é o mesmo, e que este inimigo não é de hoje. Tecer a
memória da resistência, resgatar a memória da recusa como parte fundamental
da negação presente e permanente. Não por acaso, tod@s nesta Rede recusamos
a relação com a "esquerda oficial", com a "história oficial", com tudo o que
é oficial. Foi esta a que nos fez esquecer, ao longo do último século, que a
resistência operária foi antes - e ainda continua a sê-lo - resistência
indígena e negra. @s proletarizad@s de hoje continuamos a ser @s índi@s e
negr@s de ontem, as mulheres de quase sempre.
Não nos ouvimos e falamos ainda o quanto queremos. É ainda difícil a troca
que toda conversa implica. Mas sabemos tod@s que conversar é aquilo que
queremos, e que é a condição de tecer juntos. Só tecemos juntos, entretanto,
na recusa e na sabotagem do tempo do trabalho assalariado, tedioso tempo
imposto. Por isso construímos nosso diálogo num tempo outro, que construímos
a duras penas. Havia, nessa diversidade de tempos, os que quase não se
encontram; e no Encontro foi difícil, particularmente em relação a alguns
compas, estabelecer uma relação entre o espaço-tempo comum e os
espaços-tempos particulares. Permaneceu, durante todo o Encontro, uma série
de encontros de alguns compas que ouviam música, conversavam entre si e que
não nos falaram e não nos ouviram a tod@s o quanto poderíamos e gostaríamos.
Esses tempos precisam ainda saber porem-se em relação.
A resistência cotidiana e os perigos da ideologia e do reformismo
Mas o comum - mesmo entre os que, neste Encontro, se falaram e se ouviram de
modo insuficiente para um diálogo real - é que o tempo do Encontro foi o
tempo da recusa; decididamente ele não foi e não quer ser o tempo do
trabalho escravo do dinheiro, não foi e não quer ser o tempo dos
parlamentos, do Estado.
Não temos medida para dizer esse encontro.Ele é a própria recusa das
medidas. A recusa da medida macho, da medida branca, da medida econômica, da
medida "Ciência moderna" que aniquila o planeta, ele é da ordem da
desmedida. Da transgressão e da recusa das medidas impostas. Da construção
comum de regras - medidas - que possam dizer o que é indizível com o
vocabulário da dominação e da separação. Construir um vocabulário comum para
dizer o que é comum. Que será comum sem abolir o diverso que somos.
Experiência real de construção do realmente diverso. O exato oposto do falso
diverso do mercado, do falso diverso da democracia. Do falso diverso dos
congressos de sindicatos e dos espaços da esquerda oficial. Teremos muito e
por muito tempo a dizer deste diálogo real. Das reflexões que o encontro de
diferentes tradições que se descobrem irmãs possibilitou. Não saímos os
mesmos deste Encontro. As reflexões provocadas por este diálogo não foram
ainda (nem poderiam) amadurecidas e aprofundadas. A proposta destas
reflexões iniciais é a de contribuir para a construção desta medida, deste
vocabulário comum.
Possamos tod@s fortalecer cada uma das mãos que teceram esse encontro.
Possamos fortalecer a mão mulher, a mão Tapeba, possamos fortalecer a mão
mocamba, possamos fortalecer a mão operária, a mão sem-teto, a mão que
arrancou a terra na cidade e a terra no campo e que tenta nela construir um
espaço outro que o do mercado, um espaço outro que o do Estado. Possamos
fortalecer a mão que empunha o baixo e que não pára quieta, pelo impulso do
corpo que "poga". Possamos ser mais mãos. Mais diversas. Possamos ser mais
falas e mais ouvidos. Mais falas e mais ouvidos que compreendamos não falar
para nós mesmos;que compreendamos cada vez mais radicalmente que não se
trata de continuar a falar entre e para nós mesm@s, mas de incorporara este
diálogo real o conjunto d@s proletarizad@s que desde as fábricas, desde os
canteiros de obras, desde as comunidades, os bairros, os campos resistem de
vários modos ao mercado e ao Estado. Estamos aqui falando de algo
fundamental: assim como devemos evitar a "ideologia da autogestão" devemos,
de igual modo evitar a "ideologia do diálogo" pois não se trata de
pretender, com o diálogo entre @s pouc@s que somos, por melhores, mais
combativ@s, autônom@s e libertári@s que sejamos, de substituir o
protagonismo real de milhões pelo nosso protagonismo, se assim separado,
ilusório.
Sem dúvida, há que observar que, infelizmente, a resistência cotidiana d@s
proletári@s desde os locais de trabalho ainda não ganhou forma de
auto-organização e que, portanto, não esteve, enquanto tal, presente neste
Encontro, como não vinha estando na Rede. Que possamos, no diálogo,
compreender as diversas formas sob as quais estivemos no Encontro como sendo
forma da luta d@s proletarizad@s que somos, que pelos mais diversos
motivos(afinal são múltiplas as alienações), queremos deixar de sê-lo,
abolindo o trabalho assalariado, a mercantilização da natureza, das
culturas, da totalidade da vida, as hierarquias e o Estado. Que possamos
também, nestas mesmas diversas formas, contribuir para a resistência ao
mercado e ao capital desde dentro das corporações transnacionais, das
fábricas, das empresas.
Lamentamos que muit@s compas que têm conosco tecido esta recusa e que não
são do Norte e do Nordeste não tenham vindo até aqui compartilhar conosco
esta oportunidade tão rica de troca real e diálogo real de experiências. Não
éramos 16 mil...éramos 100 ou pouco mais. Mas estávamos junt@s sem mercado e
sem Estado, não haviam aqui stands mais ou menos caros. Não havia
acampamentos paralelos, pois era todo o Encontro que se colocava fora e
contra o mercado e o Estado.
A falta destes compas talvez se tenha dado na exata proporção dos seus
esforços de presença ao FSM, pois foi gasto, para ir até ali, tempo e
dinheiro. Pensamos que precisamos construir mais destes espaços autônomos.
Mais convergências reais de lutas reais. Mais espaços. Para isso, contudo,
necessitamos de vontade e esforço. Clareza da necessária intransigência da
nossa recusa ou do risco da sua captura. Possamos breve ser mais. Possamos
conversar sobre isso, possamos continuar a tecer o diálogo real de quem faz
- e na crítica prática - diz o que faz.
Autonomia ou Barbárie!
Fortaleza, 05 de março de 2001, coletivo contra-a-corrente
Há sempre, contudo, o perigo da captura da vontade. Não por acaso as
dificuldades de construção ali de um tempo comum vieram das perspectivas de
"resistência individual" apartadas da resistência comum, como se fosse
possível resistir sem estar juntos; como se fosse possível efetivamente
resistir sem pôr em questão a totalidade do mundo estatal e mercantil,
inclusive o individualismo que ele supõe.
E não estamos pondo em dúvida a necessidade da atitude enquanto
comportamento individual, embora se trate também dela; comportamento
cotidiano tão reafirmado por alguns compas - com os quais temos aprendido e
concordamos - como atitude que ponha em xeque o individualismo e o
consumismo etc. Queremos dizer é que, segundo pensamos, se essa vontade de
recusa ao mercado e ao Estado não encontra a sua compreensão radical
enquanto crítica de totalidade à cotidianidade colonizada pelas relações
mercantis e as esferas que de cima a administram, ela permite a sua
recaptura pelo sistema, reproduz, numa espécie de reformismo da vida
cotidiana, exatamente as armadilhas do mercado e do Estado.
Distribuidoras alternativas, ONGs, cooperativas, o "mercado alternativo",
são inteiramente absorvíveis e toleráveis; mais que isso, são cada vez mais
a alternativa do mercado, a alternativa do capital e do Estado para fazer
frente às necessidades da reprodução de valor, do lucro produzindo mais
lucro. A clareza da necessária ruptura, em nível mundial, com a produção de
mercadorias era algo que soava às vezes apenas um discurso abstrato, pois
vinha acompanhada de uma oposição entre o local e global, o individual e o
coletivo que é própria do capitalismo e das suas relações coisificadas.
Claro que temos que sobreviver e sobreviver implica necessariamente, sob o
domínio das relações capitalistas, no mercado. Daí que seja fundamental que
as estratégias de sobrevivência e resistência devam buscar permanentemente
negar o máximo de aspectos da lógica mercantil. Mas que isso não nos impeça
de ter clareza de que, sob as condições atuais todo esforço local, se
mantida a produção mundial de mercadorias e a monopolização que é o
desenvolvimento necessário de sua lógica (ver sobre isso Editorial n°11 da
Revista contra-a-corrente)é e será sempre plenamente recuperável pelo
capital e pelo Estado. Ou negamos radical e intransigentemente o
assalariamento e a produção para o mercado, coisa que só é possível na
ampliação e diálogo real forjado na crítica prática entre @s milhões que ao
redor de todo o globo hoje buscamos, desde o nosso cotidiano, negar a
administração das nossas vidas pelas empresas monopolistas transnacionais,
ou nos contentaremos em fingir para nós mesmos a mentira na qual terminamos
por acreditar. Para isso, por certo, é evidente que precisamos aprofundar os
mecanismos da resistência autônoma, constituindo concretos mecanismos de
autogoverno desde a resistência cotidiana e os laços entre os diversos
mecanismos, as redes. Mas se transformada em "ideologia da autogestão", da
auto-sustentação, a estratégia de sobrevivência e resistência parcial a que
somos forçados pelo desemprego, pelo subemprego e pela recusa ao emprego se
transforma em reformismo da vida cotidiana, pois passamos a pensar que há
algo de revolucionário em, ao mesmo tempo em que falamos da necessidade de
negar o mercado em sua totalidade, propormos em nossa fala e nossa ação,
mais mercado: lanchonetes vegetarianas, cooperativas, ONGs, etc. Como dizia
uma revolucionária do passado, não transformemos a necessidade em virtude...
Pensando perspectivas.
A possibilidade de fazer essa discussão no Encontro, surgida dos relatos das
experiências e das discussões sobre os relatos e temas, a possibilidade de
fazermos uma oficina sobre gênero, uma oficina de agroecologia e as muitas e
muitas discussões surgidas nos deixou, a tod@s, com a clara consciência da
necessidade e da vontade de estreitar os laços, os concretos e reais laços
da luta e da discussão em comum. Não discutimos o quanto queríamos, o tempo
foi demasiado curto. Havemos de construir mais tempos e espaços assim, foi o
que nos dissemos ao final do encontro.
Aqui, começamos a experimentar o oposto do falso diálogo do Fórum Social
Mundial, o oposto daquilo em que se transformou o encontro de Belém. @s que
aqui estávamos, éramos aqueles que não estávamos no FSM. @s que em Belém nos
retiramos do encontro e fizemos um espaço paralelo, @s que temos recusado as
armadilhas integradoras do capital e do Estado e que pela intransigência
desta recusa nos reconhecemos como parte de um mesmo processo de resistência
que encontra na crítica prática a sua identificação. Que é de resistência ao
mercado, mas também de resistência ao "mercado alternativo" do MST no campo,
resistência ao PRODUZIR que segue o "ocupar" e o "resistir". Que é
resistência ao Estado, resistência à democracia participativa, à armadilha
das ONGs. Resistência à esquerda oficial, à velha e à nova, à grande
esquerda oficial dos partidos oficiais e aos grupúsculos da esquerda oficial
do neo-marxismo-leninismo-trotskismo e os demais ismos.
Algo de extraordinário, aliás, é que esse foi um encontro que não foi
centrado nas discussões ideológicas. Nas trocas de experiências horizontais
que realizamos durante o encontro, foi a resistência à integração pelo
mercado e o Estado aquilo que se apresentou como o comum, porque antes já
houvera se apresentado como aquilo que nos colocou em contato. Deste
encontro participavam experiências cuja relação se constituiu no diálogo do
fazer juntos, na experiência da crítica prática comum. @s compas do campo,
que enfrentando o Estado e o mercado, os monopólios rurais e seus agentes,
enfrentando o novo mercado aberto pelas cooperativas do MST afirmam a
intransigência, a recusa à integração pelo mercado e pelo Estado dialogavam
desde a sua experiência real de luta com a experiência da luta Tapeba, que
na luta pela reconstituição das origens indígenas enfrenta o mercado não só
no que se refere à demarcação das suas terras mas também quanto à submissão
ao trabalho assalariado e às relações mercantis de modo total. Da
experiência das ocupações urbanas e da luta contra a integração pelo
mercado, o Estado e a suas instituições complementares e da resistência da
cultura proletária que se encontra com a cultura dos mocambos, das
experiências contra-culturais e sua busca de recusa da uniformidade do
mercado. O encontro ajudou a pôr em relação, em diálogo, tais experiências.
Na relação que ali se estabeleceu, ficaram claras as possibilidades de um
diálogo que agora se inicia como diálogo consciente.Também as suas
dificuldades ficaram claras, o desafio permanente de tecer a recusa como
recusa cotidiana que não permita qualquer captura. Dizer que não centramos a
discussão nas ideologias significa aqui que as inúmeras divergências e
diferenças que efetivamente se deram no encontro foram tratadas a partir da
ação concreta e comum e não na abstração das idéias e dos modelos.
Proletarizad@s, tod@s, dizemos de muitos modos, mas começamos, ao menos ao
Norte e ao Nordeste da Pindorama, a dizer junt@s. Isso é muito e muito
pouco.
contraacorrente@hotmail.com .