Capítulo Anterior: Questão Nacional |
Próximo Capítulo: Força e Fraqueza do Comunismo na Espanha |
Capítulo 22 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
Bilan
tem razão quando insiste ser necessário para a revolução destruir o aparelho
de Estado burguês, e deduz que não há revolução se o proletariado não age
neste sentido. É verdade também
que as medidas de transformação econômico-sociais são inúteis sem a destruição
do Estado. Porém, essa corrente concebe a revolução de modo político.
Não consegue entendê-la como movimento
social no qual a destruição do Estado e a construção de uma nova
estrutura de decisão avançam juntamente com a comunização da vida econômica
e social[1]. Concebe
esses dois aspectos como momentos sucessivos: sua interação lhe escapa. Ela
inverte a posição reformista, centrista ou anarquista, sem mudar de problemática. Contra a tese que põe em destaque a socialização da
economia, ela privilegia a questão do poder: a revolução será política,
antes; depois, econômica.
A
revolução comunista deve afirmar um poder capaz de se impor, combater a burguesia e unificar o movimento
revolucionário. Portanto, não foi
por ter feito uma guerra de front que
o movimento revolucionário espanhol sofreu uma derrota. Já estava derrotado quando se deixou arrastar para a guerra
de front que apressou sua morte.
Mas o
´poder revolucionário´ seria uma forma vazia se não transformasse, ao mesmo
tempo, a natureza da sociedade. E não poderia existir senão como instrumento
dessa transformação. Se a revolução
deve ser inicialmente política e depois social, ela criará um poder sem outra
função que lutar contra a burguesia, função negativa e somente repressiva.
Uma revolução comunista (mundial), que se estende por uma geração, durante
esse tempo continuará pagando salários e fabricando mercadorias?
Considerar
a tomada do poder como pré-condição é fetichizar o poder e esquecer que o
Estado é também resultante
da sociedade. É teorizar, com a
instauração de um sistema de
organização e controle pretensamente comunista, sua ´vontade´ de realizar o
comunismo quando for suficientemente forte.
Ao contrário, se a revolução é,
simultaneamente, um processo econômico e político, como dizia o K.A.P.D., a
comunização das relações sociais de produção impede qualquer grupo
particular de se instituir como novo poder sobre a sociedade.
A manutenção, mesmo provisória, da economia mercantil e capitalista,
favoreceria o nascimento de uma
camada de especialistas do poder, utilizando a ideologia
revolucionária para se dar legitimidade.
Sua única razão de ser residiria em sua alegada fé comunista. É próprio
da política nada poder (nem querer)
mudar na natureza da sociedade; ela reúne o que está separado, sem ir além. O
poder está lá, ele administra, controla, garante, reprime, isso é tudo [1
bis].
A
dominação política (na qual a ideologia anarquista de ontem e de hoje vê o
problema essencial) repousa sobre a incapacidade dos proletários para organizar
e gerir suas vidas e suas atividades. Ela
se apóia na despossessão radical que
caracteriza o proletário. Quando
todos e cada um participarem na produção de suas existências, os meios de
repressão e opressão do Estado se tornarão inoperantes.
Porque o salário nos priva dos meios de viver, produzir, comunicar e até
de nossas emoções (mass-media etc.) é que o Estado é todo poderoso. Conceber a
destruição do Estado como uma luta contra a polícia e as forças armadas é
tomar a parte pelo todo.
O
comunismo é antes de tudo uma atividade.
Um sistema no qual os homens produzem sua própria existência social
anula todo poder separado. Numa futura revolução comunista, a reação se
agrupará como de hábito em torno de palavras-de-ordem como ´organização´ e
´poder democrático´ para melhor paralisar o movimento.
Os revolucionários afirmarão a necessidade (entre outras) de medidas
comunistas concretas.
A
comunização é necessária para o triunfo da revolução. O Estado capitalista não pode ser destruído por uma ação
exercida somente contra as suas estruturas, esta ação tem tudo para fracassar.
O
proletariado vencerá se assumir a função social contra o capital, utilizando
também a economia como arma, dissolvendo as relações econômicas
capitalistas, destruindo as bases sociais do inimigo.
A extensão geográfica do movimento será tanto um processo social,
quanto econômico e “militar”. Tarefas positivas e negativas se condicionarão
mutuamente.
“Não
é verdade que o movimento social exclui o movimento político. Nunca houve
movimento político que não fosse, ao mesmo tempo, social” [1
ter].
A
guerra de Espanha freou a clarificação no interior de grupos como a União
Comunista e a L.C.I. belga. Mas a fixação sobre a questão política,
acentuada pela guerra espanhola, bloqueou também o desenvolvimento teórico da
esquerda italiana, que permanecerá essencialmente atrelada à concepção ´sucessiva´
da revolução (política depois econômica).
Por
essa razão, a compreensão da involução
russa se torna difícil para a esquerda italiana e os grupos que nela se
baseiam, como Internationalisme depois
de 1945 (cf. «A Liga dos Comunistas Internacionalistas»). Após outubro
de 1917, a Rússia oferece um ótimo exemplo da degeneração do poder na ausência
de revolução social. Não é possível,
aqui, estudar porque a comunização da Rússia era impossível. Em todo caso, o
isolamento internacional e o atraso econômico não explicam tudo – a menos
que esqueçamos a perspectiva traçada por Marx (e talvez aplicável depois de
1917, noutro contexto) de renascimento, sob uma nova forma, das estruturas agrárias
comunitárias ainda não absorvidas pelo capital [1 quart].
Seja como for, o poder bolchevique é a melhor ilustração do que acontece com
um poder que é apenas poder.
Com
alguma boa-fé e muito logicamente, o Estado bolchevique deveria se manter, a
qualquer preço (na perspectiva da revolução mundial, primeiro; por e para si
mesmo, depois), e não havia outro recurso senão a coerção.
Bem entendido, os aspectos burgueses da teoria e da prática bolcheviques
tiveram seu papel, mas não foi determinante, comparado à situação objetiva
desse Estado ´obrigado a permanecer´ sem mudar grande coisa nas condições de
vida reais. Rapidamente, o problema
número 1 se tornou a necessidade de continuar no poder, de preservar bem ou mal
a unidade numa sociedade que se fragmentava. Daí, por um lado, as concessões
à pequena propriedade camponesa (que afastavam ainda mais do comunismo),
seguidas de requisições forçadas. E,
por outro lado, a repressão anti-operária e anti-oposição política no
partido e fora dele.
Hennaut
apontou os limites da experiência russa. Bilan
reinvindica sem cessar o exemplo ´vitorioso´de outubro de 1917 (oposto ao
fracasso de julho de 1936). Ambos têm
razão. Sob um ponto de vista puramente negativo, Bilan
vê corretamente o que não aconteceu na
Espanha. Sob um ponto de vista
positivo, dos caracteres de uma evolução comunista futura, Bilan, assim como Hennaud,
se engana. Bilan opõe o objetivo ao
movimento. Eles não superam o dilema leninismo-antileninismo.
Isto conduz a que grupos como Révolution
Internationale saibam o que a revolução deve destruir, mas não o que ela
deve fazer para destruí-lo. A verdadeira crítica é aquela que considera o
movimento proletário em função do comunismo, não mais concebido como ´programa´,
mas como ruptura e processo.
Nada
é, pois, menos surpreendente do que os redatores de Bilan passarem ao largo desse ponto central.
Os movimentos revolucionários posteriores a 1917 jamais alcançaram o
estágio prático que obrigasse os comunistas a integrar esse aspecto em sua visão
teórica. As discussões da época giravam, quase todas, em torno de problemas
de organização, subestimando o conteúdo comunista da revolução.
Quando a esquerda alemã examinava o comunismo, era apenas para imaginar
uma outra organização da produção.
A capacidade proletária de auto-organização e até mesmo de mudança imediata é indispensável para a revolução. Marx escreveu, a propósito da Espanha, que toda revolução supõe um certo grau de ´anarquia´(iniciativas em todos os domínios). Mas que ela fracassa sem sua dimensão mediata (problema do poder).
Notas
[1]
Barrot, Le mouvement communiste, Champ
Libre, 1972, 2e
parte. E o
artigo sobre o Estado, no no.
2 de La Guerre Sociale, 1978.
[1 bis] «De la politique», Le Mouvement
Communiste, no
5, outubro de 1973.
[1 ter] Misère de la philosophie, in Oeuvres,
Gallimard, t. 1, 1963, p. 136.
[1 quart] Invariance, 2e série, no. 4.
Próximo Capítulo: Força e Fraqueza do Comunismo na Espanha